JOÃO MONLEVADE (MG) – A Câmara Municipal de João Monlevade promoveu, na segunda-feira, dia 14 de julho de 2025, audiência pública para discutir a implantação do programa das escolas cívico-militares no município, iniciativa proposta pela vereadora Maria do Sagrado (PT).
Maria explicou que a audiência foi motivada pela decisão do Governo de Minas, que em 30 de junho encaminhou às superintendências de ensino um memorando propondo a adesão de até 700 escolas estaduais ao modelo cívico-militar. Em João Monlevade, quatro escolas foram selecionadas: Manoel Loureiro, Luiz Prisco de Braga, Alberto Pereira Lima e Doutor Geraldo Parreiras.
Segundo a vereadora, o Estado estabeleceu o prazo até 18 de julho para que as escolas manifestassem sua posição, o que, na sua avaliação, foi um período curto para debate. “Quis ouvir justamente a questão da educação, tanto quem é a favor quanto quem tem críticas ao modelo”, afirmou Maria, esclarecendo, inclusive, que não convidou representantes militares para a audiência porque o foco era ouvir os profissionais da área educacional.
Diretores expõem a realidade escolar
Marcelo Leal Ferreira, diretor da Escola Alberto Pereira Lima, relatou que o projeto foi temporariamente suspenso pelo Estado e deve ser retomado em agosto. Ele relatou que fez uma reunião com a comunidade escolar, composta por professores, funcionários, pais e alunos, para apresentar a proposta e em seguida, promoveu no dia 9 de julho uma assembleia. O resultado da votação na escola foi de 146 votos favoráveis, 12 contrários e um voto nulo.
Ainda segundo ele, os militares não atuariam como docentes, mas apenas em questões disciplinares e de segurança, auxiliando na gestão escolar. Os critérios para a seleção das escolas, segundo Marcelo, eram os municípios com mais de 25 mil habitantes e unidades com mais de 500 alunos. “O militar não vai dar aula. Ele só vai ajudar na disciplina e segurança. A única mudança visual seria a inclusão da expressão ‘escola cívico-militar’ no uniforme e no nome da escola”, explicou Marcelo, citando o novo uniforme: calça preta, camiseta da escola e jaqueta.
Já Cláudio Magno, vice-diretor da Escola Estadual Geraldo Parreiras, esclareceu que as assembleias exigiam quórum mínimo de 10% de pais e alunos e 30% de servidores presentes. Ele detalhou que, no Parreiras, a votação entre os funcionários foi de 52 favoráveis e 15 contrários; entre estudantes, 23 a favor e 64 contra; e entre pais, 39 a favor e 3 contra.
Questionado sobre a cédula de votação, Marcelo relatou que no documento era preciso identificar o segmento ao qual o votante participava, além do nome e a manifestação sobre a implantação do projeto. Ele destacou ainda que, as pessoas que não tinham interesse em colocar o nome na cédula, deveriam ficar até o final da assembleia para assinar a ata.
Cláudio ainda ressaltou o acúmulo de funções administrativas e disciplinares na rotina dos gestores e convidou a população a conhecer de perto a realidade escolar.
Sind-UTE critica projeto e defende Escola Viva
Maria Aparecida Pinto Ribeiro, coordenadora do Sind-UTE em Monlevade, criticou o modelo cívico-militar. Segundo ela, não há respaldo legal para o projeto na Constituição, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação nem no Plano Nacional de Educação, e há ações de inconstitucionalidade tramitando no STF. “A solução para os problemas de disciplina não é a militarização, mas sim o investimento em psicólogos, assistentes sociais e melhores condições para a educação”, defendeu. Maria Aparecida também expressou preocupação com a falta de clareza sobre as funções dos militares nas escolas.
Análise de artigos científicos
O professor Breno Eustáquio, doutor em Educação, contou que analisou 50 artigos científicos sobre o tema. “Nenhum deles comprova a eficácia do programa cívico-militar”, afirmou. Segundo ele, o modelo conflita com princípios como liberdade de pensamento, pluralismo pedagógico e gestão democrática. Breno também destacou o custo mais elevado do modelo, apontado pela ONG Educação para Todos, estimado em R$ 1 milhão a mais por escola, valor que poderia, segundo ele, ser investido em infraestrutura, formação de professores e material didático.
A secretária municipal de Educação, Alda Fernandes, criticou a ausência de informações claras e o pouco tempo para debate aprofundado. Questionou como seriam tratados alunos que não se adaptarem ao modelo, se haveria risco de exclusão da rede estadual e consequentemente sobrecarga da municipal, e defendeu investimentos em psicólogos e assistentes sociais. A mesma sugestão foi feita pelo assessor de governo, Cristiano Vasconcelos.
Voz dos Estudantes
O aluno Davi Oliveira, representante do Grêmio Estudantil da escola Luiz Prisco, criticou a rapidez do processo e o custo elevado do modelo. Ele apontou a contradição do governo estadual, devido ao custo elevado da implantação do projeto “num momento em que faltam recursos básicos para a educação como salários dignos para os funcionários”.
Ainda em sua fala, Davi também criticou a incoerência do governo estadual que, segundo ele, fala em eficiência de gastos públicos em meio à crise financeira, mas lança o projeto das escolas cívico-militares justamente num contexto de reprovação de outras iniciativas, como o projeto Somar, a municipalização de escolas e a cessão dos prédios da UEMG, todos barrados ou contestados recentemente. Ele ressaltou ainda que, no mês de junho a ONU divulgou relatório recomendando o fim das escolas cívico-militares no Brasil.
Davi defendeu que o país deveria buscar um projeto educacional sólido e de longo prazo, inspirados em modelos bem-sucedidos para evitar o risco de investir em escolas militares enquanto falta estrutura para a educação básica. Por fim, ele encerrou sua fala com a frase do antropólogo Darcy Ribeiro: “Se os governantes não construírem mais escolas, em 20 anos faltarão recursos para construir presídios.”
A presidente do Conselho Tutelar, Marilia Andreia, destacou que a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente atribuem à família a responsabilidade primária pela educação, mas muitos pais têm se ausentado, sobrecarregando escolas e o próprio Conselho. Ela relatou episódios de medo e violência vividos por professores e alunos, e considerou que o modelo cívico-militar poderia oferecer mais segurança, ainda que a solução precise começar na família.
Promotoria vê debate necessário
O promotor de Justiça, Dr. Gabriel Costa de Jesus, relatou experiências graves nas escolas, como ameaças a professores e alunos. Declarou não ser nem a favor nem contra o modelo, mas alertou que ele não resolve problemas estruturais como a falta de psicólogos e assistência social. “A presença militar pode dar sensação de segurança, mas não é solução mágica”, frisou. Ele ainda destacou que a o baixo número de votantes é muito pouco para representar adequadamente toda a comunidade escolar.
Vereadores divergem
Entre os vereadores, opiniões se dividiram. Leles Pontes e Vanderlei Miranda defenderam mais debate antes de qualquer implantação. Vanderlei questionou se os votantes conheciam experiências concretas do modelo e cobrou resultados das escolas já militarizadas. Leles relatou sua experiência como professor, mencionando episódios de violência nas escolas e a sensação de medo e sobrecarga de professores e funcionários.
O vereador Bruno Cabeção, contou que é crítico do governo estadual, principalmente na área da educação, e apontou falhas na educação, sobretudo na inclusão de alunos com deficiência. Ele se disse preocupado com votações rápidas e voto não secreto, que poderia intimidar servidores.
Por outro lado, o vereador Sinval Dias defendeu a implantação das escolas cívico-militares, dizendo acreditar que a presença militar pode ajudar na disciplina e aliviar a pressão sobre professores e diretores. Ele negou que o projeto tenha motivação política ou partidária.
Militar aposentada esclarece papel da PM
A policial militar aposentada, Luciana Maria de Freitas, lamentou a ausência de militares na audiência e esclareceu que falava não em nome da corporação, mas com experiência profissional. Ela defendeu o projeto como oportunidade para fortalecer a segurança nas escolas, reforçando que militares não irão atuar como professores, a menos que possuam formação pedagógica e aprovação em concurso.
“A presença do policial militar será apenas na área de segurança, de forma preventiva e ostensiva, apoiando a comunidade escolar”, explicou Luciana, lembrando que a sociedade clamava por mais segurança nas escolas há cerca de um ano. Ela comparou a iniciativa ao Proerd, destacando que ninguém questiona a presença da PM quando o programa está nas escolas.
A fala também foi concedida a pais e alunos que compareceram à audiência, onde houve manifestações tanto a favor quanto contrárias ao modelo apresentado. Enquanto alguns defenderam a implantação das escolas cívico-militares como forma de melhorar a segurança e a disciplina, outros expressaram preocupação com custos, falta de debate amplo e possíveis impactos pedagógicos, revelando um cenário de opiniões divididas na comunidade escolar.
Presenças
Participaram da audiência a Secretária municipal de educação, Alda Fernandes; promotor de justiça, Dr Gabriel Costa de Jesus; diretor da Escola Alberto Pereira Lima, Marcelo Leal Ferreira; vice-diretor da escola Estadual Geraldo Parreiras, Cláudio Magno; coordenadora do SindUte no município, Maria Aparecida Pinto Ribeiro; professor da Doctum e doutor em educação, Breno Eustáquio; aluno do Luiz Prisco, e representante do Grêmio Estudantil, Davi Oliveira; presidente do Conselho Tutelar, Maria Andreia; assessor de governo, Cristiano Vasconcelos e os vereadores Vanderlei Miranda, Leles Pontes, Carlinhos Bicalho, Alysson Enfermeiro, Bruno Cabeção, Sinval da Luzitana, Thiago Titó e Marquinho Dornelas.
Fonte e foto: Prefeitura de João Monlevade